Asè
Aboru, Aboye, Abosise
O céu de repente anuviou
E o vento agitou as ondas do mar
E o que o temporal levou
Foi tudo que deu pra guardar
Só Deus sabe o quanto se labutou
Custou mas depois veio a bonança
E agora é hora de agradecer
Pois quando tudo se perdeu
E a sorte desapareceu
Abaixo de Deus só ficou você
Quando a gira girou, ninguém suportou
Só você ficou, não me abandonou
Quando o vento parou e a água baixou
Eu tive a certeza do seu amor
Quando tudo parece que estar perdido
É nessa hora que você vê
Quem é parceiro, quem é bom amigo
Quem tá contigo quem é de correr
A sua mão me tirou do abismo
O seu axé evitou o meu fim
Me ensinou o que é companheirismo
E também a gostar de quem gosta de mim
Quando a gira girou, ninguém suportou...
Na hora que a gente menos espera
No fim do túnel aparece uma luz
A luz de uma amizade sincera
Para ajudar carregar nossa cruz
Foi Deus quem pôs você no meu caminho
Na hora certa pra me socorrer
Eu não teria chegado sozinho
A lugar nenhum se não fosse você
Quando a gira girou, ninguém suportou...
Reportagem da Revista Brasileira ISTO È
sobre a Umbanda e o Candomblé na Europa.
Esta reportagem foi realizada pela repórter Carina Rabelo de Berlim (Alemanha).
"Com ou sem legítimos praticantes, o fato é que o candomblé e a umbanda já não são mais vistos como “macumba” no Velho Continente."
(Sociólogo Flávio Pierucci, da Universidade de São Paulo)
Confira a Reportagem no site da Revista
REPORTAGEM
Por Carina Rabelo - de Berlim (Alemanha)
Desde que foi convidado, há 19 anos, para ministrar aulas de dança afro numa escola em Berlim, na Alemanha, Murah Soares, 38 anos, criado e iniciado num terreiro de candomblé na Bahia, é surpreendido por alunos que lhe pedem a bênção após as coreografias. Daí nasceu a convicção de que tinha um terreno fértil para difundir sua crença entre os alemães. Em 4 de dezembro de 2007, Murah oficializou o Ilê Axé Oyá, o primeiro terreiro de candomblé na Alemanha com as bases religiosas do Brasil. Em julho deste ano, ele foi reconhecido oficialmente após a bênção da Mãe Beata, de Nova Iguaçu (RJ), uma das mais respeitadas do Brasil. Assim como Murah, muitos pais-de-santo e mães-de-santo escolheram a Europa para desenvolver e plantar o culto aos caboclos e orixás.
A receptividade dos europeus à diversidade de manifestações culturais e religiosas é fomentada pela presença maciça de imigrantes no Velho Continente. Segundo a Eurostat, comissão que divulga as estatísticas da Europa, em 2007 o continente tinha mais de 1,8 milhão de imigrantes legais, o triplo de 1994, quando eram 590 mil. Diante do desafio de dialogar com a pluralidade cultural que invade as ruas, a Europa revela um interesse crescente pela diversidade, pelo exótico, pela identidade e pela religião das outras nações.
Em 1974, de carona na onda do esoterismo, surgiram os primeiros terreiros de umbanda e candomblé na Europa, ainda reduzidos às práticas de magia. A partir do sucesso internacional dos trabalhos do fotógrafo e escritor francês Pierre Verger, pilar da difusão do candomblé pelo mundo, começaram os festivais multiculturais e de fomento ao intercâmbio de estudantes e pesquisadores entre Brasil e Europa. Assim, a dança e a musicalidade dos cultos afros se tornaram o ponto de partida para o interesse pela religião.
“Na Europa, há mais tolerância do que no Brasil, onde os cultos ainda sofrem os ataques dos evangélicos. Na Alemanha, ela é vista com respeito, admiração e curiosidade”, diz Murah, que também é presidente da ONG Fórum Brasil, que promove a difusão da cultura brasileira através de workshops e seminários. O Ilê Axé Oyá, em atividade há seis anos, reúne 300 alemães e imigrantes nas festividades religiosas.
Após perceberem o potencial do Velho Continente, pais-de-santo e mães-de-santo conquistam junto aos governos locais a liberdade de culto. Desde o ano passado, contam com representação oficial pela Federação Européia de Umbanda e Cultos Afro, que faz a triagem dos terreiros de origem confiável. “O grande problema eram os falsos pais-de-santo, que não fizeram a iniciação e não tinham base religiosa. Era fundamental um órgão que indicasse os terreiros que seguem as tradições”, explica Pedro de Ogum, Pai-de-Santo do terreiro Templo Sagrado de Umbanda, em Portugal, e presidente da Federação. Segundo a instituição, existem 40 terreiros “legítimos” na Europa.
No Velho Mundo, algumas adaptações devem ser feitas para garantir o bom convívio com a comunidade local. Áustria, Alemanha e Suíça, por exemplo, rejeitam a centralização do comando religioso numa única figura. “Procuro diminuir a hierarquia no meu terreiro para que todos se sintam incluídos e conscientes do que ocorre lá”, comenta a psicoterapeuta austríaca Astrid Habiba Kreszmeier, 44 anos, que adotou o nome Habiba de Oxum Abalo, após ser iniciada no Brasil pelo pai-desanto Carlos Bubby, em São Paulo. Há dois anos, Habiba fundou o terreiro Terra Sagrada na cidade de Graz, na Áustria, com filiais na Suíça, em Zurich, e na Alemanha, em Landsberg.
Entre as adaptações estão as modificações no culto, que devem estar de acordo com a legislação européia (leia quadro). Thales Fonseca, 29 anos, que se intitula Comandante Chefe do Terreiro Umbanda Temple, fundado em maio de 2007, em Londres, na Inglaterra, reconhece a rigidez das leis e considera algumas delas benéficas para a religião. “Aqui, se alguém discrimina o outro pela fé, vai parar na cadeia. A ação da polícia é muito rápida para coibir a intolerância religiosa.” Criado por uma fervorosa evangélica e freqüentador assíduo dos cultos protestantes, ele recebeu críticas quando decidiu ser iniciado na umbanda aos 15 anos. “As entidades disseram que eu deveria trazer a religião para os ingleses, que estão carentes de um trabalho espiritual gratuito. Foi quando descobri o meu caminho”, afirma.
Pesquisadores da religião reconhecem a expansão dos cultos afros na Europa, mas são reticentes em considerar que o interesse dos europeus tem um engajamento verdadeiramente religioso. “O candomblé e a umbanda são tão curiosos para eles como a capoeira, os atabaques e a dança folclórica. É um interesse pela diversidade cultural, como ocorre com a world music. Teriam a mesma empolgação pela manifestação cultural dos aborígines australianos, por exemplo”, pondera o sociólogo Flávio Pierucci, da Universidade de São Paulo. Com ou sem legítimos praticantes, o fato é que o candomblé e a umbanda já não são mais vistos como “macumba” no Velho Continente.
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